Exposição em Paris celebra 40 anos da morte de Maria Callas, "la diva"
A capital francesa presta homenagem à Maria Callas, no quadragésimo aniversário da morte da cantora. É na cidade que foi palco de suas últimas aparições, até 16 de setembro de 1977, que o museu La Seine Musicale inaugura, em 16 de setembro, a exposição Callas by Maria, celebrando a vida e a obra da intérprete que revolucionou o canto lírico.
Uma diva. Este talvez seja o epíteto definitivo de Sophie Cecelia Kalos, também conhecida como Maria Callas. Com um timbre único, um fraseado perfeito, um jogo de cena impecável, ousado para um começo de século 20 acostumado a cantores-virtuose que privilegiavam a técnica à interpretação, Callas levou o canto lírico a seu apogeu dramático.
O ponto forte da mostra da Seine Musicale, segundo seu curador, Tom Volf, é o material que o público parisiense descobrirá pela primeira vez. "Há muitas coisas inéditas na exposição, sobretudo o arquivos audiovisuais que apresentamos, especialmente filmes em Super 8 ou mesmo vídeos domésticos da cantora. Além disso, é a voz de Maria Callas que nos guia do início ao fim da mostra, e esta voz vem de gravações de conversas privadas, que as pessoas poderão descobrir pela primeira vez", antecipa Volf.
"E, claro, há momentos icônicos, como o vestido que ela usou na montagem de Norma, em Paris, e também um quadrinho-fetiche que ela deixava sempre em seu camarim antes de cantar e este quadro será mostrado pela primeira vez aqui na exposição", conclui o curador, que conversou com a RFI durante a montagem da exposição no La Seine Musicale, que fica aberta até 14 de dezembro de 2017.
A biografia da diva: "Bíblia da Ópera"
Maria Callas nasceu em 2 de dezembro de 1923 em Nova Iorque em uma família de imigrantes gregos. “La diva” descobre o canto através do rádio, que retransmitia óperas do Metropolitan. Criança solitária no meio de uma família em crise, é nas aulas de piano e canto que ela encontra refúgio. Sua mãe, Evangelia, [personagem-chave de sua trajetória] descobre seu talento precoce, ainda na primeira infância. Segundo “La diva”, “Eu já era feita para cantar aos cinco anos de idade, e detestava isso”.
Após o divórcio de seus pais, em 1937, Callas se muda para a Grécia com a mãe e irmã. Segundo sua professora de canto, Maria Trivella, do Conservatório Nacional de Atenas, em menos de seis meses ela já cantava “as árias mais difíceis do repertório internacional”. Segundo Trivella, Callas, aos 14 anos, era uma “aluna-modelo, fanática, trabalhava de cinco a seis horas por dia, seus progressos eram fenomenais”.
Chamada de a “Bíblia da Ópera” por Léonard Bernstein, ela conseguia cantar “de tudo” segundo o compositor americano, de Bellini a Verdi, passando por Rossini, Beethoven, Bizet ou Puccini. A grande virada da carreira da jovem Maria Callas acontece em 1949, quando é escalada para interpretar Elvira na ópera “I Puritani”, de Bellini, em Veneza. Elogiada pela crítica, sua carreira decola na Itália.
De Veneza a Milão, um salto importante para a jovem cantora lírica: é no Scala que a diva vai desenvolver grande parte de sua carreira até os anos 50, quando trabalhou com diretores como Franco Zefirelli e Luchino Visconti que dizia haver começado a dirigir ópera apenas por causa dela.
Segundo o maestro austríaco Herbert von Karajan, que dirigiu Callas em Madame Butterfly, em 1955, uma de suas maiores qualidades era seu rigor técnico. "Uma das coisas que verdadeiramente marcavam sua personalidade era o fato de como ela se preparava, com um cuidado enorme. Ela chegava e já dominava realmente a coisa, e depois, naturalmente, era possível trabalhar nos mínimos detalhes toda e qualquer entonação que lhe fosse dada, uma pequena indicação lhe bastava", afirma Karajan em entrevistas de arquivos do Instituto Nacional do Audiovisual (INA), em Paris.
"Seria impensável imaginar que ela chegasse com uma partitura, e existem muitos cantores que fazem isso. Mas ela sempre estava muito segura dela mesma, ela conhecia tudo sem precisar que lhe soprassem. É por isso que eu a admirei tanto", conclui o maestro.
É exatamente este aspecto da diva que fascina a soprano brasileira Camila Titinger, 27 anos, atualmente ensaiando para novos projetos musicais entre Roma, Milão e Cagliari. "Todas as vezes que eu escutava uma mesma obra, cada vez que eu escutava eu aprendia uma coisa nova, porque o perfeccionismo dela era muito grande. Fora isso, há uma característica muito conhecida do mundo da ópera: a Maria Callas introduziu o teatro no cantar erudito. Ela introduz a ideia da interpretação do texto de forma teatral enquanto cantava, desmistificando a interpretação tradicional dos cantores de ópera. Para ela, o texto era tão importante quanto a melodia", afirma Titinger.
Na cena como na vida
Separada de seu primeiro marido, Giovanni Battista Meneghini, Callas esperava se casar com seu grande amor, o magnata grego Aristote Onassis, mas ele preferiu Jackie Kennedy: não raramente a vida de Callas foi comparada a um libreto de ópera.
Personagem obsessivo e tenaz, a cantora perde 40 kg em menos de dois anos, por meio de um regime severo, e em 1954 já se encontra pronta para dar vida às heroínas que desejava. Após romper com a mãe, sua empresária até então, Callas zarpa para os Estados Unidos e aterrisa no Metropolitan de Nova York, onde fará algumas de suas performances mais memoráveis.
No entanto, mesmo se a vida parecia imitar a cena (ou vice-versa), a intérprete diferenciava com clareza a vida real de cantora das heroínas da cena operística. “Primeiro de tudo, nossa vida começa com uma grande disciplina. É necessário que nos levantemos num determinado horário, evidentemente precisamos descansar bastante... sobretudo, não apenas pela voz, mas pelos nervos... Porque trabalhamos muito com as emoções... Porque o mundo nos critica, mas, infelizmente, os maiores e mais severos críticos somos nós mesmos", afirma Callas, durante série de entrevistas de arquivo do Instituto Nacional do Audiovisual (INA), em Paris.
Como curiosidade, Callas foi substituída durante uma temporada por outra Maria, a brasileira D'Apparecida, em uma ópera em Paris. Maria D’Apparecida, morta recentemente, estudou piano, dança e canto no Conservatório de Música do Rio de Janeiro. Ela foi a primeira soprano brasileira convidada a se apresentar na Ópera de Paris, segundo sites especializados em música erudita, e foi muito aplaudida em sua temporada europeia, substituindo a eterna diva.