Livro trata representação da mulher negra por Anita Malfatti e Tarsila do Amaral
O debate sobre a representação da mulher negra desafia mentes e corações na atualidade. Com o propósito de entender a construção dessa imagem no campo das artes plásticas, o professor e artista Marcos Hill retoma o modernismo brasileiro a partir das obras Tropical (1917), de Anita Malfatti, e A negra (1923), de Tarsila do Amaral. No livro “Mulatas” e negras pintadas por brancas – Questões de etnia e gênero presentes na pintura modernista brasileira (Editora C/Arte), o historiador da arte conduz recorte arqueológico acerca da imagem das mulheres negras, em especial como a representação delas no modernismo brasileiro dialoga com imagens que a precedem. O trabalho fornece insumos para a compreensão de estereótipos visuais que se constroem sobre as mulheres negras desde a escravidão e que se perpetuam nos dias de hoje.
Na contramão de alguns estudos sobre a arte modernista produzida no Brasil, Hill se coloca de maneira mais crítica. Além das pinturas de Anita e Tarsila, ele reúne um conjunto de imagens (pinturas e retratos) elaboradas por artistas desde o século 17 que retratam a figura feminina, em especial a mulher negra e mestiça. As pinturas de Anita e Tarsila “indicam vontade de reparação de uma sociedade com fortes marcas da escravidão”. No entanto, o professor demonstra que as obras não reverberam problematização das sequelas econômicas e sociais que afetam a população negra que foi escravizada. ANÁLISE O livro está dividido em duas partes. Na primeira, Hill se dedica à análise da pintura Tropical e propõe uma discussão acerca das referências imagéticas com as quais a obra dialoga. Nessa arqueologia da imagem, Hill retoma, de maneira crítica, as fotografias etnográficas, que eram muito usadas no século 19 para retratar os negros escravizados tanto como uma forma de catalogá-los como se objeto fossem e também inseri-los em cenas do cotidiano quase como paisagens. O pesquisador demonstra como a emergência da linguagem fotográfica se “contamina” pela pintura e vice-versa, no que se refere a enquadramentos, texturas e luminosidades. Na segunda parte, o foco se dirige ao quadro A negra. Hill investiga a trajetória da imagem, bem como as características que a compõem. É interessante a maneira como o pesquisador resgata o contexto cultural brasileiro em que emerge o modernismo. O movimento do qual Tarsila e Anita foram expoentes buscava uma identidade brasileira ao dar visibilidade ao povo, representado de forma metonímica pela mulher mestiça e negra nas duas pinturas. Hill discute como Tarsila se influenciou pelo movimento cubista, quando manteve, em Paris, contato com mestres da pintura como André Lhote (1885-1962), Fernand Léger (1881-1955) e Albert Gleizes (1881-1953). Nesse percurso arqueológico, o pesquisador dedica parte da obra para refletir sobre de que maneira o afeto atravessa a relação entre brancos e negros no Brasil. Ganha centralidade, na análise, a figura das mães-negras – que também são objeto da investigação das artistas Isabel Löfgren e Patricia Gouvêa na exposição Mãe preta, em cartaz no Palácio das Artes. O pesquisador enfatiza que se trata de terreno complexo. Nessas relações, pontua, estão imbricados recalques, afetos, traumas, violências, ambições, empatias, injustiças e incompreensões. “Mulatas” e negras pintadas por brancas – Questões de etnia e gênero presentes na pintura modernista brasileira Autor: Marcos Hill Editora: C/Arte (272 páginas) Preço sugerido: R$ 45