As maravilhas da arte contemporânea de Inhotim, em Minas Gerais
Se tem uma palavra que define a visita ao Instituto Inhotim, a 60 quilômetros de Belo Horizonte, é surpresa. Surpresa pelo tamanho descomunal, pela beleza descomunal, pela conservação irretocável da flora e pela atemporalidade das obras. Surpresa por causa do nosso eterno complexo de vira-lata, ao qual custa acreditar que há uma instituição cultural tão fantástica em solo nacional. E surpresa por não ter visto nada parecido antes.
É porque não existe: não há nada comparável ao maior centro de arte contemporânea a céu aberto do mundo.
Os números você provavelmente já ouviu: 140 hectares de área visitável (o equivalente a cerca de 200 campos de futebol), 5 mil espécies botânicas, 23 pavilhões e mais 22 instalações de alguns dos mais importantes artistas dos séculos 20 e 21, nacionais e estrangeiros. Mas eles não traduzem o que é Inhotim.
Você não consegue atinar o que são 140 hectares antes de caminhar por 140 hectares, com ou sem o carrinho elétrico que fica de plantão para agilizar o transporte de quem precisar.
E você pode já ter visto fotos das obras, mas não sabe de antemão que, para alcançá-las, vai ter de percorrer um campo de agaves-polvo com folhas que parecem tentáculos, ou então enveredar por trilhas na mata fechada de onde galerias imensas surgem do nada.
De repente eu me vi manuseando um mapa para escolher os caminhos a seguir, a que horas e em qual ordem, cena que me aludiu a uma visita ao finado Playcenter, em São Paulo, quando era criança. Mas, em vez de montanhas-russas, eu encontrava obras de Jarbas Lopes, Lygia Pape, Doris Salcedo.
Só dei um tempo na espontaneidade do itinerário quando aderi a um dos rápidos tours guiados (e gratuitos) oferecidos pelo parque que me levou ao pavilhão da incensada artista carioca Adriana Varejão.
Os guias, “ou mediadores de visita”, como são chamados, desvendam as circunstâncias de trabalhos como Linda do Rosário, uma parede de azulejos recheada de vísceras ensanguentadas.
Varejão se inspirou no desabamento do Hotel Linda do Rosário, no Centro do Rio, em 2002, cujas paredes caíram sobre um casal – e inspiraram também a canção Conversa de Botas Batidas, do Los Hermanos.
Bioma das artes
Botei a música no Spotify enquanto fazia uma pausa após o almoço no restaurante Oiticica, deitada num gramadão em frente a um aglomerado de palmeiras-azuis, típicas de Madagascar.
Em Inhotim, bancos, lagos e jardins magnetizam as atenções para a natureza o todo tempo, de diversos ângulos, e olha que o dedo de Burle Marx no paisagismo não passou de uma consultoria informal.
Ao perscrutar o cenário, a vista depara invariavelmente com vigas enferrujadas, Fuscas coloridos e esferas platinadas que, de uma forma quase surreal, parecem reivindicar para si um habitat em que arte e meio ambiente convivem em equilíbrio.
Às quartas-feiras, dia de entrada gratuita (quando o instituto recebe um terço da visitação do mês), ônibus despejam grupos de escolas, de igrejas, da terceira idade – gente que talvez nunca fosse aparecer numa Bienal ou frequentar uma galeria sisuda, cheia de obras não-me-toques, feitas para ser contempladas com a mão no queixo.
Em Inhotim, as obras vão parar nas selfies (desde o ano passado é permitido tirar fotos dentro das galerias) e estão lá para ser recebidas, especuladas ou ignoradas por quem quer que seja. A arte, enfim, é de todos.
Em quase tudo se toca. Ou se escala, no caso das vigas de ferro da obra Beam Drop Inhotim, do americano Chris Burden.
Ou se pisa, como no chão de vidro estilhaçado de Através, de Cildo Meireles. Ou se mergulha (surpresa!), no caso de Piscina, de Jorge Macchi.
Deve ser nisso que Marcel Duchamp estava pensando quando pegou um mictório e chamou de arte em 1917, propondo que o artista não precisaria proporcionar prazer estético, mas tentar interpretar o mundo por meio da apresentação de ideias e surpreender, até mesmo chocar.
Titio Oiticica
Não é preciso ter nenhum conhecimento artístico prévio para curtir Inhotim, vide o sucesso que o lugar faz com famílias e crianças.
São grupos e mais grupos de papais, titias e primos, todo mundo de boné, filtro solar e tênis confortável, prontos para um dia no… museu. Porque ali os pequenos podem chutar bexigas na Galeria Hélio Oiticica, ver nuvens se formarem no céu de uma casa na obra Continente/Nuvem e brincar com as ilusões de ótica no labirinto do Vegetation Room.
Tudo fomenta a curiosidade e a descoberta. Na interativa Origem da Arte, a pequena Olívia, de 6 anos, montava seu nome com vasos de cerâmica cheios de terra em forma de letras. “Ela já pediu para voltar no ano que vem”, disse a mãe, a paulistana Márcia Macedo.
O maior pavilhão do parque é dedicado a Tunga, nome homenageado nas comemorações de uma década do Inhotim, em agosto.
No interior da galeria, tranças e entrelaçamentos de chapas de ferro e arame dão forma à instigante instalação Lézart.
O artista pernambucano, falecido em junho deste ano, era amigo pessoal do empresário Bernardo Paz, o idealizador do complexo, e ajudou o mineiro a pensar o lugar.
Bernardo ainda arca com parte do que é necessário para manter o parque: em 2015 foram 42 milhões de reais, 56% deles custeados via leis de incentivo, e o restante por doações, bilheteria e venda de serviços.
Como a crise também chegou ali, Inhotim recebeu no fim de 2015 a primeira galeria construída com patrocínio (do banco Santander), dedicada à fotógrafa Claudia Andujar e a seu trabalho com os índios ianomâmi.
Nos próximos dois anos estão programadas galerias de peso do indiano Anish Kapoor, do brasileiro Ernesto Neto e do dinamarquês Olafur Eliasson, mas a data de abertura depende da verba que entrar.
Também está em andamento a construção de um hotel de luxo, com 44 bangalôs, em parceria com a badalada rede Txai – será o primeiro dentro de Inhotim e um reforço de responsa à oferta de hospedagem em Brumadinho, embora a região já conte com uma dezena de pousadas decentes em um raio de 40 quilômetros.
Neste ano não houve inaugurações, mas o parque decidiu ampliar sua participação no mundo das artes, como fez no Festival Meca, evento originalmente gaúcho que ganhou no começo de novembro uma edição em Inhotim, com shows de Caetano, Liniker e Mahmundi, além de oficinas de moda e design.
Mesmo sem nenhum evento, o portentoso complexo de arte contemporânea merece uns três dias consecutivos de visita para ser apreciado por inteiro, com o tempo adequado para a imprescindível digestão de cada obra, cada cenário, cada arrebatamento.
Lembre-se de que muitas galerias ficam bem afastadas, como a do americano Doug Aitken, a uma pernada considerável da entrada do instituto.
Chamada de Sonic Pavilion, trata-se de um pavilhão acústico construído ao redor de um buraco de 200 metros de profundidade. A ideia é fazer com que você se deite em uma plataforma de madeira para escutar o que reverbera nas entranhas da Terra.
Eu usaria estas linhas finais para descrever o som ou, uma vez mais, para tentar convencer você a ir ao Inhotim, mas ambos os estratagemas se provam desnecessários: um lugar que emana a voz do planeta pela arte fala por si próprio.