Nelson Rodrigues: o escritor que o Brasil precisou
Todo grande escritor é antes um bom leitor. Leitor da realidade, leitor dos aspectos históricos, leitor das marcas demasiadamente humanas. Nelson Rodrigues é desses. Ruy Castro o definiu como o “anjo pornográfico”, numa célebre biografia, e não era para menos. O teor erótico nas relações é explorado ao extremo em suas peças, crônicas ou textos em prosa. O erótico de todos os significados. Suas obras criam situações que desnudam a hipocrisia, a cortina das amarras sociais e filosofam sobre os absurdos da alma humana.
Nelson está no panteão dos grandes mestres da literatura brasileira. Certamente é, não apenas o maior dramaturgo, mas, o que revolucionou o gênero com “Vestido de noiva”. Em 2016, retifiquei um dos grandes erros literários: não havia lido o moço em referência. Comecei por “O beijo no asfalto”, fui até “Dorotéia”, depois a “Toda nudez será castigada”, “Viúva, porém honesta”, “Otto Lara Resende ou bonitinha, mas ordinária” e “A falecida”. Em cada leitura, fui percebendo que, talvez, escrever seja a arte de conhecer profundamente a alma humana, as variáveis sociais e os fatores de risco. Ao misturar esses ingredientes provavelmente teremos em mãos um clássico, recheado de tipos e perfis genuinamente humanos, marcadamente brasileiros.
Nas leituras, descobri que somos todos iguais. Mas, somos ainda mais iguais nas nossas hipocrisias, nos nossos desejos inconfessáveis, naquilo que julgamos ser de fato para que o outro admire aquilo que nós mesmos desconfiamos. Debaixo de inúmeros contratos sociais celebrados para a boa convivência, o Anjo Pornográfico vai dizer que o que resta, lembrando Hamlet, é “que tudo é falso”. As instituições, boa parte das ideologias, das nossas crenças e até mesmo dos valores morais do seu tempo: falsos, falsos, falsos! Assim, Nelson Rodrigues vai usar da sátira e do humor para cumprir o preceito histórico de que “por meio do riso castigam-se os costumes”.
Ao buscar aquilo que é comum a todos, ao que é manifestado em alguns, reprimido ou controlado em outros, Nelson se revela um excelente leitor de nossa gente e profundo conhecedor das nossas raízes, o que nos torna aquilo que somos. É por isso que, ainda hoje, suas obras permanecem cada vez mais atuais e rompendo os palcos de um teatro para alcançar o estágio de análises sociológicas de um povo.
por Nélio Barbosa