Ser ou não ser Modigliani
Pinturas do artista italiano, talvez mais do que qualquer outro, ilustram confusão de autenticidade de obras de arte.
Três fatos assustadores confrontam qualquer um interessado em comprar um dos característicos retratos alongados de Amedeo Modigliani. Eles costumam ter preços multimilionários; eles são favoritos de falsificadores; e, apesar da abundância de especialistas, nenhum inventário de sua obra é considerado ao mesmo tempo confiável e completo.
Christian Parisot, por exemplo, autor de um catálogo e presidente do Instituto Modigliani em Roma, irá enfrentar julgamento sob a acusação de autenticar intencionalmente obras falsas. Marc Restellini, acadêmico francês que está compilando outra pesquisa sobre a obra de Modigliani, descartou parte de seu projeto, há alguns anos, após receber ameaças de morte.
E mesmo aqueles que defendem uma listagem de 337 quadros, criada pelo avaliador e crítico Ambrogio Ceroni, reconhecem que ela possui lacunas significativas. A iniciativa de estabelecer um registro oficial da obra de Modigliani “parece uma novela”, escreveu Peter Kraus, um negociante de livros antigos, em um artigo publicado há uma década.
Autenticar arte de todos os tipos se tornou mais complexo nos últimos anos. Um círculo cada vez mais amplo de estudiosos e fundações de artistas se recusam a oferecer opiniões ou publicar um catálogo raisonné – o compêndio definitivo da obra de um artista – por medo de serem processados por compradores ou vendedores descontentes com suas conclusões.
Todavia, as pinturas de Modigliani, talvez mais do que qualquer outro artista, ilustram a confusão que essas autenticações trouxeram a um mercado inundado de dinheiro, compradores ávidos e falsificações. O resultado, segundo negociadores de arte, é um mercado repleto de incertezas.
Vendedores esperam possuir um Modigliani genuíno, mas menos conhecido. Porém, sem uma opinião adotada como definitiva, fica difícil prever quanto os possíveis compradores poderão pagar. “É muito diferente do mercado de seus colegas Picasso e Braque”, declarou o negociador David Nash, de Nova York, “onde a obra é extremamente bem-registrada”.
E não ajuda o fato de que Modigliani costumava doar pinturas e ilustrações, sem documentar sua criação ou proprietários, para pagar suas contas.
Alguns marchands (negociadores de arte), como Michael Findlay, classificaram o catálogo de Ceroni – atualizado pela última vez em 1972 – como o único “aceito e confiável no geral”. Casas de leilões respeitadas, como Christie’s e Sotheby’s, raramente concordam em vender obras de fora desse catálogo, embora trabalhos bem-documentados também cheguem a leilão.
Em 2012, por exemplo, a Bonhams vendeu “Jeune Fille aux Cheveux Noirs” por US$ 1,3 milhão. A obra não aparecia no catálogo de Ceroni, mas a casa de leilões indicou que Restellini pretendia incluí-la em seu inventário e que ela já teria pertencido à coleção Rockefeller.
Uma pintura citada por Ceroni é geralmente “vendida por três ou quatro vezes” a quantia inicial de obras de qualidade similar que não estejam incluídas em seu catálogo, explicou o financiador e marchand Asher Edelman, de Nova York. Ele está colocando à venda “Jeune Femme au Petit Col Blanc”, de Modigliani, de 1918. A obra foi autenticada por Restellini e possui um histórico documentado de proveniência e exposições, disse Edelman, que se recusou a citar seu preço.
Um italiano intenso e imensamente talentoso, Modigliani, descrito por um amigo como “um jovem deus”, lutou com a pobreza, o vício e a rejeição na Paris da virada do século, antes de morrer aos 35 anos de meningite tuberculosa. Ele bebia demais, jogava-se em festas que duravam a noite toda e mantinha casos tempestuosos com dezenas de mulheres, incluindo a poeta russa Anna Akhmatova.
Uma amante grávida de 21 anos, Jeanne Hébuterne, chocada por sua morte em 1920, pulou de uma janela dois dias depois.
Como reconhece sua biógrafa Meryle Secrest, Modigliani continua sendo uma figura esquiva dentro do mito.
O trágico romantismo apenas aumentou o valor de mercado de sua obra, que é altamente valorizada por compradores – mesmo tendo uma recepção fria dos críticos. Em fevereiro de 2014, um de seus retratos de Hébuterne, por exemplo, atingiu US$ 42 milhões em um leilão em Londres.